No Brasil, de tédio, ninguém morre: uma análise do caso Lula

09/03/2021

O cenário político do Brasil pegou fogo nessa segunda-feira, 8 de março, com a decisão do Ministro Edson Fachin de anular os processos pelos quais o Ex-Presidente Lula era investigado. Com isso, a composição das eleições presidenciais de 2022 pode sofrer uma reviravolta sem precedentes.

Mas será que o segundo turno mais longo da história, como disse o jornalista Upiara Boschi em sua coluna de ontem, (Bolsonaro x Lula) tem alguma chance de se concretizar? A advogada e especialista em direito político e eleitoral, Dra. Gabriela Schelp, fez uma análise sobre o caso e você pode ler a seguir.

Lula tem chance de ser candidato?

Por Gabriela Schelp |

Vou trazer para vocês hoje uma breve explicação sobre a decisão do Ministro Luiz Edson Fachin em um Habeas Corpus apresentado pela defesa do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão exaltou os ânimos políticos e polarizando ainda mais o cenário nacional.

Mas o que pretendo passar aqui é uma análise jurídica processual e não política.

A primeira coisa que preciso falar é que via de regra, os processos no nosso país devem seguir os procedimentos previstos no Código de Processo Penal ou Código de Processo Civil.

Outra coisa é que todos nós estamos sujeitos à algum processo na vida e o que minimamente se espera, é que o juiz siga as regras do jogo e todos tenham seus direitos de defesa assegurados.

Cada processo tramita em um lugar específico, estipulado pelos Códigos que falei antes, assim, cada juiz possui o que chamamos de competência, isso serve para que, por exemplo, o processo seja julgado pelo juiz do local onde o crime foi consumado, não podendo um magistrado “escolher” seus processos.

Antes de entrar na decisão especificamente, vou trazer duas frases que sempre utilizo:

A justiça tardia é injustiça, e, se um jogo tem regras é porque devem ser seguidas.

As regras processuais servem para nos fornecer segurança jurídica, garantir que cada um de nós saiba como e quando se defender e quando isso não é respeitado, normalmente as decisões ou processos inteiros acabando sendo anulados, e isso não é tão raro não.

Ocorre que por vezes isso leva tanto tempo que o processo já até perdeu a razão de existir.

Pois bem, vamos à decisão do Ministro Fachin, já que, como diria a Maga Stopassoli, nesse país de tédio ninguém morre.

A operação Lava Jato investigava desvios na Petrobrás e seus processos tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba.

Porém, com o desenrolar das investigações e as colaborações premiadas (esse é o nome correto para as delações), descobriu-se uma rede muito maior de desvios, que ultrapassava os limites da Petrobrás, envolvendo também outros órgãos públicos, como o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sociedades de economia mista e empresas públicas.

Em 2015 tivemos a primeira decisão tratando acerca da competência da 13ª Vara Federal para julgar as ações e lá já restou decidido que caberia àquela vara julgar tão somente os crimes relacionados à Petrobras, que os demais seriam distribuídos aos seus locais de acontecimento, que em grande maioria teriam sido consumados em São Paulo.

Em 2017, a colaboração premiada do Grupo J&F envolvendo Lula e o ex-Ministro da Fazendo Guido Mantega foi enviada à Justiça Federal do Distrito Federal.

Em 2018, caso envolvendo desvios na obra realizada pela empreiteira Odebrecht na refinaria Abreu e Lima, foram enviados para vara criminal de Recife/PE.

E assim foi sendo feito a cada recurso que chegava ao Supremo Tribunal Federal, porém, no caso específico do ex-Presidente, a tese de incompetência foi ignorada todas as vezes em que foi julgada, por que razões? Talvez nunca saberemos! Mas todas as decisões foram juridicamente justificadas, sempre fugindo à regra das demais.

Até que, neste momento, em um dos vários Habeas Corpus impetrado pela defesa do ex-Presidente, colocou-se a mão no vespeiro, e a decisão colocou o processo de volta às regras do jogo.

Anulou todo o processo, mas não a investigação, ou seja, as provas ainda estão lá, já que a decisão não adentrou ao mérito da questão, não afirmou ser o ex-Presidente inocente ou não, mas sim que o julgamento se deu por Juiz incompetente ao caso.

O que nós temos hoje é que as vantagens indevidas recebidas por Lula consistentes em um imóvel para o Instituto Lula, um Triplex e Sítio de Atibaia, não possuem qualquer vínculo com os desvios ocorridos na Petrobrás, mas sim, com diversos outros esquemas de corrupção, também envolvendo as empreiteiras OAS e Odebrecht.

Na prática, então, os três processos foram anulados, remetidas as investigações para o Distrito Federal, onde o juiz deverá decidir de começa novamente os processos, devendo ser oferecida nova denúncia, o juiz poderá ou não acatar e segue o baile.

Dessa forma, sem condenação penal emitida por órgão colegiado, já que foi anulada, o ex-Presidente não se enquadra mais na Lei da Ficha Limpa, estando livre, por hora, para concorrer às Eleições de 2022.

A única coisa que poderia mudar esse cenário seria uma nova decisão do Juízo do Distrito Federal e do Tribunal até às próximas eleições, o que considero pouco tempo, exceto se o juiz convalidar a instrução já ocorrida nos outros processos (manter toda a produção de provas), o que agilizaria e muito todo o trâmite, e que foi permitido pela decisão do Ministro Fachin.

Mas como tudo no nosso país, temos aí mais uma caixinha de surpresas, e só saberemos mais adiante quais as reais perspectivas desse novo embate jurídico que refletirá diretamente nas eleições de 2022.

Dra Gabriela Schelp – advogada, especialista em direito político e eleitoral. (@gabrielaschelpadvocacia – gabrielaschelp.com.br)

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14 respostas

  1. E a decisão só surgiu agora para torna-lo elegível, e ainda com grandes chances de prescrever seus crimes. O STF merece palmas, muito inteligente, nao é atoa que estão lá, uma pena não usar para o bem.

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