O deputado estadual Jessé Lopes (PSL), causou revolta nas redes sociais nesta terça-feira (31), após publicar uma foto ao lado de Marco Antônio Heredita Viveros, em seu gabinete, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Seria mais uma visita normal como tantas que os parlamentares, em todas as esferas, recebem. Mas não foi o caso. Marco Antônio Heredita Viveros é o ex-marido de Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher brasileira, vítima de violência doméstica, cometida por Marco Antônio. O crime aconteceu em 1983, mas a vítima só conseguiu provar a culpa do marido, 19 anos depois.
Marco Antonio atingiu a esposa com dois tiros pelas costas, enquanto ela dormia. (Clique aqui para conhecer a história em detalhes: https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html
. Na foto que publicou nos stories do instagram, o deputado diz que recebeu a visita de Marco Antonio e que sua versão dos fatos era “intrigante”.
Não demorou para que a publicação viralizasse na internet, provocando uma onda de críticas à postura do parlamentar. Ainda na noite de terça, o deputado apagou a publicação.
Hoje cedo, Lopes manifestou-se sobre o ocorrido. No início da tarde, sua assessoria encaminhou a nota que você pode ler na íntegra, aqui:
NOTA AO PÚBLICO
Nesta terça feira (31) recebi em meu gabinete o Sr. Marco Antônio Heredita Viveros, ex-companheiro da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima conhecida do famoso “Caso Maria da Penha”, que originou toda a comoção que culminou na aprovação e subsequente sanção da Lei Federal 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.
Por volta das 14h, sem agendamento prévio, o Sr. Marco Antônio chegou ao meu gabinete após ter visitado outros colegas parlamentares na Assembleia Legislativa. Como de praxe, sem agendamento prévio e sem saber de sua vinda à ALESC, o recebi, que então veio a se apresentar e solicitar minha atenção por alguns minutos.
Ouvi, juntamente com alguns assessores, o que o Sr. Marco tinha a dizer, recebi um exemplar do seu livro e, a pedido, registrei o momento, publicando nas redes sociais, mais tarde, como faço com todos que me procuram, a fim de cumprir com os ideais de transparência que norteiam minha atuação na Assembleia Legislativa.
A nós foi apresentada uma versão dos fatos, acompanhada de documentação do próprio processo que supostamente comprovaria a narrativa, o intrigou a mim e a minha equipe, especialmente em razão do momento em que tudo era trazido a nosso conhecimento, já há décadas do ocorrido, e por se tratar de uma versão diametralmente oposta aos fatos julgados nos autos. Entretanto, deixo claro que ouvir a versão do Sr. Marco não significa que corroboro com a fala apresentada, tampouco que me compadeço das consequências que o atingiram após o trâmite regular das ações judiciais envolvendo o caso, visto que o processo tramitou regularmente com direito a ampla defesa e contraditório e, ainda assim, resultou na sua condenação.
Nunca fui contra a Lei Maria da Penha e de forma alguma o fato de receber inesperadamente o indivíduo responsável pelo crime, significa que sou contrário de alguma forma à Lei Federal 11.340 e seus efeitos.
Permaneço firme e alinhado às minhas convicções e estou com a consciência limpa. Àqueles que alegam que estou “ridicularizando o combate à violência contra a mulher”, convido a conhecer minha atuação no parlamento catarinense e as proposições que tenho tramitando na Casa no sentido da defesa de mulheres e crianças.
Ainda durante a tarde desta quarta-feira (1º), o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e a OAB também se manifestaram contrários à atitude do deputado.
Veja o que disse o MP:
Nota Institucional
O Ministério Público de Santa Catarina vem a público manifestar o seu veemente repúdio ao comentário do deputado estadual Jesse Lopes nas suas redes sociais e replicado pela imprensa acerca do histórico de violência sofrida por Maria da Penha Maia Fernandes. Após receber em seu gabinete Marco Antonio Heredia Viveros, o ex-marido de Maria da Penha, que foi condenado por dupla tentativa de homicídio por ter tentado matá-la, o Parlamentar afirmou nesta terça-feira (31/8) que a versão dele sobre o caso “é, no mínimo intrigante”.
Maria da Penha Maia Fernandes, no ano de 1983, foi vítima de dupla tentativa de homicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis.
Seu ex-marido, recebido pelo Deputado em gabinete, foi definitivamente condenado pelos crimes de que foi acusado, portanto, só existe uma versão para o fato: ele realmente tentou matar Maria da Penha.
A trajetória da vítima em busca de justiça durante 19 anos e 6 meses faz dela um símbolo de luta por uma vida livre de violência contra as mulheres e deu nome a Lei 11.340. sancionada em 7 de agosto de 2006.
É inadmissível que esse tipo de argumento de descredenciar a vítima seja apresentado por um Parlamentar no exercício de suas atribuições. Tal postura é amplamente combatida pelo Ministério Público de Santa Catarina, inclusive por meio de programas institucionais de prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
Ao relativizar um crime tão grave, denota um flagrante retrocesso à garantia de uma sociedade livre de violência contra as mulheres e é inaceitável que isso ocorra em um país que, somente em 2020, teve aproximadamente 17 milhões de mulheres vítimas de violência física, psicológica ou sexual e, infelizmente, ocupa a triste e incômoda posição de ser um dos países onde mais se mata mulheres.
O Ministério Público de Santa Catarina também se solidariza com os familiares e amigos das vítimas desse grave e covarde crime: são mais de 20 vítimas só este ano em nosso estado. Promotores de Justiça, Policiais, Magistrados, Profissionais de saúde e toda uma rede de apoio lutam incessantemente para que esses números diminuam e os criminosos sejam punidos.
Atitudes como a do Parlamentar em nada contribuem para a diminuição dessa violência. Ao buscar legitimar a ação de um criminoso condenado por crime de sangue, o Parlamentar ofende os familiares das vítimas que lamentam a perda de seus entes queridos, assim como deslegitima aqueles que buscam que os criminosos sejam punidos pelos seus crimes.
A violência e o crime não podem jamais ser relativizados.
Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVIM)
Procurador-Geral de Justiça, Fernando da Silva Comin
Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
Em contato com a assessoria, questionei se o parlamentar conhecia os fatos envolvendo o caso antes ou só teve conhecimento após a repercussão. Até o momento, o deputado ainda não respondeu à pergunta. Caso o faça, a resposta será incluída neste texto.
Desde agosto de 2006, está em vigor no Brasil a Lei Nº 11.340, que leva o nome desta que é um ícone no enfrentamento à violência doméstica no Brasil, a Sra. Maria da Penha. Vale lembrar que o Brasil é um país que enfrenta uma árdua luta no combate à violência doméstica, amargando terríveis estatísticas que revelam o quanto o país ainda precisa evoluir para que notícias de crimes contra mulheres não precisem mais estampar os jornais.