Nas Eleições Municipais de 2020, os 5.568 municípios que foram às urnas elegeram 10.824 mulheres para compor as Câmaras de Vereadores. Parece pouco, e de fato é: esse número representa apenas 15,7% dos assentos disputados no ano passado, no país inteiro. No entanto, em comparação com os resultados da eleição municipal anterior, a de 2016, percebe-se uma tendência de melhora na paridade feminina nas casas legislativas; isso porque em 2016 foram eleitas apenas 9.239 vereadoras, o equivalente a 13,4% do total de cadeiras das Câmaras Municipais. Essa evolução reflete a eficácia das medidas de incentivo à participação feminina na política e de paridade de gênero no Poder Legislativo, que vêm sendo implementadas pela Justiça Eleitoral nos últimos seis anos.
A aplicação compulsória de 5% dos recursos do Fundo Partidário pelos partidos políticos em iniciativas de incentivo à participação feminina na política; a reserva de 30% de candidaturas às eleições proporcionais para o gênero feminino; a cota de 30% dos recursos do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC), também chamado Fundo Eleitoral, e do tempo de propaganda em rádio e televisão para o apoio às candidatas foram algumas das iniciativas tomadas ao longo desse tempo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Todas essas medidas tiveram o intuito de buscar a paridade de gênero na representação em casas legislativas nos três níveis de governo.
Transformando iniciativas em leis
Nos últimos meses, essas iniciativas foram levadas ao Congresso Nacional como propostas para a reforma da legislação eleitoral, em debate na Câmara dos Deputados. A ação foi feita pelo Grupo de Trabalho para a Sistematização das Normas Eleitorais (SNE), coordenado pelo vice-presidente do TSE, ministro Edson Fachin. Desde 2019, o grupo vem compilando e identificando conflitos normativos, antinomias (contradição entre duas proposições) ou dispositivos da legislação eleitoral que estão tacitamente revogados, para, numa segunda etapa, elaborar propostas que possam nortear projetos de lei no Poder Legislativo.
A professora Marlise Matos foi uma das colaboradoras do SNE no eixo de estudo voltado às minorias – especificamente às mulheres –, que se debruçou sobre diversas propostas legislativas ligadas ao assunto em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Com base na análise de mais de 700 projetos de lei, o grupo conseguiu consolidar algumas sugestões que foram levadas ao projeto do novo Código Eleitoral.
Para ela, manter e melhorar os incentivos à participação feminina que já existem deve ser uma preocupação constante. Por isso, diante da proposta para que se reservem às mulheres assentos nas casas legislativas, ela prega que isso não seja feito em detrimento da cota de 30% para candidaturas e para o financiamento de campanhas femininas. “Na América Latina, a democracia paritária é um dos elementos mais importantes, eticamente orientando países como Equador, México, Costa Rica, Bolívia”, informa Marlise.
Não é só uma questão de gênero, mas também de raça
Nas Eleições Gerais de 2014, 11,1% dos cargos foram preenchidos por candidatas do gênero feminino. No Congresso Nacional, esse percentual se traduziu em 56 integrantes: cinco senadoras, 51 deputadas federais. Dessas, apenas 11 – menos de 20% – se declaram pretas ou pardas. Esse quadro melhorou ligeiramente nas eleições gerais seguintes, em 2018, quando 16,2% das vagas foram ocupadas por mulheres. Naquela ocasião, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal recepcionaram 83 eleitas, das quais 14 são negras e pardas – 16,86% do total. Foi uma melhora inegável, mas ainda tímida, principalmente quando se considera que, segundo o último Censo Demográfico, realizado em 2010, cerca de 51% das brasileiras e brasileiros se apresentam como pardos ou pretos. E quase 52% da população são mulheres.
Segundo o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cléber Santos Vieira, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), as candidaturas de pessoas pretas e pardas encontram um gargalo já na política intrapartidária. Isso seria um reflexo das bases escravocratas em que a sociedade brasileira historicamente se estruturou desde os seus primórdios, que faz com a população negra – e a sua representação – seja excluída do projeto de Estado-Nação do Brasil. “O resultado foi a consolidação de práticas assim chamadas democráticas e de participação política com baixíssimo compromisso com a efetivação dos direitos humanos nas suas dimensões de reconhecimento e reparação, quanto à desigualdade racial e social”, explica Cléber. Ele participou de reuniões com o GT SNE para auxiliar a desenvolver iniciativas que, se incorporadas à legislação eleitoral pelo Congresso Nacional, poderão promover a correção dessa distorção na representação da população brasileira nas casas legislativas dos municípios, dos estados e na esfera federal.
Avanços
Alguns avanços já foram conquistados devido a resoluções do TSE. Houve a identificação pelo critério cor/raça de candidatas e candidatos no seu registro na Justiça Eleitoral, que é feita desde 2014, e a regulamentação da distribuição proporcional dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda em rádio e televisão entre candidatos brancos e negros, que foi estabelecida em 2020. Algumas das reinvindicações da pauta racial já tramitam no Congresso Nacional, como a Proposta de Emenda à Constituição de autoria do deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), que propõe a reserva de vagas para políticos negros, por cinco legislaturas, na Câmara dos Deputados, assembleias legislativas e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.