Passado quase um ano desde que a Organização Mundial da Saúde, (OMS), declarou a pandemia do novo coronavírus, chamado de Sars-Cov-2, em 11 de março de 2020, os desafios ainda são incontáveis. Naquele momento, em todo o mundo, eram pouco mais de 100 mil pessoas com Covid-19, a doença provocada pelo vírus. O termo “pandemia”, até então usado para relembrar outras crises sanitárias da nossa história, é adotado quando uma doença é registrada num grande número de pessoas, em várias partes do mundo ao mesmo tempo. Em comum com outras pandemias de que se tem notícias, essa também é recheada de ingredientes polêmicos. Há os que negam a gravidade da situação, os que preferem desacreditar da ciência, os que acreditam que remédios para vermes sejam capazes de conter ou minimizar os efeitos da doença. Por enquanto, o fato é que a esperança de ver o mundo livre da Covid-19 está depositada na vacina que já começou a ser aplicada em alguns grupos prioritários, tanto no Brasil quanto em outros países. Mesmo assim, ainda não há uma estimativa sobre o fim da pandemia, nem de que quando a vida poderá ser retomada, sem o uso de máscaras, por exemplo, ou quando poderemos abraçar aqueles que amamos, sem receio.
Envolvido nesse contexto desde os primeiros dias da pandemia, o Secretário Municipal de Saúde de Criciúma, Acélio Casagrande, nos concedeu entrevista exclusiva na última sexta-feira, dia 26 e falou sobre o atual momento da crise, da projeção para o restante de 2021 e da chegada da vacina na cidade.
Maga Stopassoli: Em março, completamos um ano desde quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou a pandemia do novo coronavírus. Qual a sua avaliação do cenário, um ano depois?
Acélio Casagrande: O cenário difícil, ainda com muitas incógnitas. Iniciamos com desconhecimento total do vírus, de uma doença que ninguém no mundo imaginava que estaríamos passando. Tivemos muito aprendizado, um ano de experiências e de ações rápidas desde o início e, portanto, uma experiência que vai deixar marcas no mundo inteiro.
MS: o Senhor imaginava que um ano depois, teríamos picos diários de mais de 1500 mortes no Brasil?
Secretário: Imaginava altas e baixas, que teríamos picos e, ao mesmo tempo, teríamos em seguida algumas baixas e isso aconteceu. O que não se esperava é essa alta tão rápida, depois de um ano e que traz uma situação muito ruim pra todos nós.
MS: no dia 13 de março, o prefeito Clésio Salvaro convocou a primeira reunião no Salão Ouro Negro, na prefeitura, para tratar das ações estratégicas de enfrentamento à Covid. Naquele momento já se sabia o que fazer?
AC: Nós criamos um grupo de trabalho formado por especialistas como pneumologistas e infectologistas, envolvemos a comunidade através das associações, chamamos os setores pra discutir em conjunto as estratégias e essa primeira reunião deu início à uma série de ações que nós desenvolvemos. Um deles foi o Centro de Triagem que foi uma ação que acabou sendo referência no Brasil. Foram criados dois centros desse tipo e isso diminuiu a contaminação o dentro do Pronto Socorro do hospital São José (em Criciúma). Foram ações que nós desenvolvemos e que acredito nos ajudou bastante.
MS: Até aquele momento não havia nenhum caso confirmado, somente 11 casos suspeitos sendo monitorados.
AC: Eram suspeitos e nós tínhamos situações difíceis a administrar, sempre pensando nos próximos passos. Aí começaram a surgir casos novos e também começaram a surgir os óbitos e durante todo o ano foi assim.
MS: Para o senhor, qual foi o pior momento até hoje?
AC: Pior momento é quando você enxerga na sua frente as dificuldades e não consegue enxergar soluções e essa doença nos trouxe isso: problemas muitas vezes sem solução. Um momento muito angustiante foram os momentos de pressão para medicamentos, por exemplo, os medicamentos precoces. Aí virou uma questão política. De um lado, alguns achavam que tinha eficiência e outros, não. Naquele momento, nós definimos que quem prescreveria, quem decidiria sobre isso, seriam os médicos, os profissionais da área da saúde. Assim nós ofertamos a eles todas as condições e eles definiram e definem até hoje se prescrevem ou não a medicação. Então o momento mais difícil é o momento que tu não enxerga solução. Como agora, por exemplo, nós estamos vendo uma situação difícil, que é não ter um respirador, um leito de uti pra ofertar e aí, é claro, é responsabilidade é do estado, mas os municípios também se preocupam com isso, que é não ter leitos de uti pra socorrer as pessoas.
MS: Qual foi o maior erro e o maior acerto na gestão da pandemia (a nível municipal, estadual ou nacional)?
AC: Erro eu diria que lideranças jamais poderiam desdenhar de qualquer que fosse a doença. Lideranças, eu diria nacional, estadual ou mesmo no município, dizendo que não era necessário usar máscaras, dizendo que não era pra ficar em isolamento. Isso nos atrapalhou muito. E isso foi um erro, não da gestão, mas de lideranças políticas. Isso atrapalhou bastante porque as pessoas deixaram de acreditar naquilo que a gente dizia e tomaram como base as informações aquele líder que eles acreditavam e seguiam, isso foi um erro.
E o acerto, foi fazer os isolamentos na hora certa, fazer os bloqueios das pessoas pra que elas ficassem reservadas e não tivessem contato com outras e, é claro, todo processo de gestão, foram vários acertos também.
Mas infelizmente a doença é maior do que todos os acertos que se faz porque ela é invisível e incontrolável então não tem como segurar.
Faria tudo de novo, aquilo que foi feito para segurar a doença e para tratar. Tudo que veio de experiências do restante do mundo a fora nós implantamos em Criciúma.
MS: É uma “gripezinha”?
AC: Jamais poderiam ter dito que era só uma gripezinha. Mesmo que fosse, os cuidados deveriam ter sido tomados, a responsabilidade de adotar medidas de prevenção e orientação. Acho que as maiores lideranças do Brasil ou do mundo, devem sempre tratar qualquer que seja a doença, como muito séria. Porque uma doença, que muitas vezes parece ser simples, se torna grave quando não tratada a tempo, então jamais poderíamos falar em gripezinha.
MS: O governo do estado decretou o primeiro lockdown no dia 17 de março de 2020. Só funcionaram os serviços essenciais. Em dezembro, o governo liberou lotação com 100% da capacidade em hotéis, por exemplo. O senhor acha que faltou pulso firme do governo nos cuidados com a pandemia nos meses seguintes do primeiro caso no estado?
AC: Talvez se tivéssemos um pouco mais de conscientização por parte de todos os órgãos e que todos entendessem que em momento algum poderíamos ter relaxado. Talvez não lockdown em momentos diferentes. Mas os cuidados deveriam ter sido constantes. Eu dizia sempre que enquanto nós tivermos um doente, dois ou cem, o cuidado tem que ser o mesmo e redobrado. Tiveram momentos em que houve um relaxamento, principalmente quando chegaram as vacinas. As pessoas pensaram “ah, parece que a coisa tá resolvida”. Muito pelo contrário, não está resolvida. Então eu acho que os cuidados deveriam ter sido permanentes. Aliás em saúde pública sempre tem que trabalhar a prevenção. Esse é o segredo de uma boa gestão em saúde. Se você não fizer prevenção, você tem que tratar.
O tratamento é mais caro, mais difícil e leva muitas pessoas à morte.
MS: Aqui em Criciúma, se o senhor fosse o prefeito, teria feito alguma coisa diferente?
AC: Em momento algum. O prefeito Salvaro tem sido parceiro. Ele escuta. Tanto que nós chamamos os grupos organizados na cidade para ouvir a opinião, e nós tomamos atitudes sempre em conjunto, então todas as medidas do Salvaro são conversadas com todos os técnicos das secretarias e também com os segmentos da cidade.
MS: Criciúma está preparada para comprar a vacina?
AC: Estamos preparados. Nós temos recursos pra comprar assim que tiver vacina pra vender.
MS: existe uma estimativa da Secretaria da Saúde de quanto tempo levaria para imunizar todos os criciumenses, caso já tivesse vacina disponível na cidade?
AC: Nós temos capacidade instalada em criciúma de vacinar mais de mil pessoas por dia. Se for necessário, se dobra essa capacidade porque se aumenta, inclusive, a abertura nas unidades (de saúde). Chegaram, por exemplo, na última remessa, 1.700 doses. Em um dia e meio não teremos mais doses então a nossa capacidade de vacinar é muito boa.
MS: O senhor trabalha quantas horas por dia?
AC: Eu sempre trabalhei muito, sempre me dediquei muito, mas igual nesse período de pandemia, isso não tinha acontecido. Se você considerar o horário que estou em casa e o horário que estou trabalhando, são 24h, porque na madrugada ou à noite, tem problema que tem que buscar a solução – as vezes de madrugada, tentando transferir um paciente, tentando resolver algum imprevisto. Então além das 12h por dia que a gente fica na prefeitura, (e nas unidades de saúde, no hospital, na vigilância epidemiológica), discutindo indicadores, eu gosto muito de trabalhar com indicadores. Se considerar, fora as 12h, eu diria que é muito trabalho. E o desgaste não é físico. O desgaste é emocional.
Há um desgaste emocional em todos os trabalhadores da saúde, natural. Muitas ausências por doenças. Mas há um desgaste muito forte emocional também, em alguns momentos que você precisa avançar e não consegue porque tem que respeitar uma serie de legislações que muitas vezes nos impedem de fazer a coisa com mais rapidez.
MS: O Senhor assumiu a Secretaria da Saúde em julho de 2019 e claro que ninguém imaginou que enfrentaríamos uma pandemia, mas o senhor pensou, em algum momento, que essa sua passagem pela secretaria seria tão imprevisível?
AC: Eu imaginei assim: “olha, com a experiência que eu tenho, por ter ficado muitos anos em Brasília, em Florianópolis, ter sido secretário de estado muitos anos, a experiência de ter sido secretario de criciúma no período de 94 até 2000, eu imaginava” eu vou assumir a secretaria de saúde de criciúma e vou fazer a gestão de costas”. Com a experiência, pensei em ajudar mais um pouco na inovação, modernizando os processos da saúde. Não deu pra fazer aquilo que foi planejado e nem aquilo que nós gostaríamos de estar fazendo que seria promover a saúde de uma forma totalmente diferente, não deixando as pessoas adoecerem. Então eu realmente eu não imaginava passar por isso depois de tantos anos de vida pública.
Eu imaginava “eu vou assumir a secretaria e vou fazer a gestão de costas”
#ACELIO2022?
MS: O governo Salvaro tem quatro anos pela frente. O senhor permanece na secretaria da Saúde ou teremos #Acelio2022?
AC: Com relação a candidatura eu nem pensei nisso ainda. Mas é possível. Eu quero estar alinhado com o projeto do prefeito Salvaro. Ele tem todas as condições ainda de dar aquilo que ele sabe, que ele conhece. Ele é trabalhador. Eu estarei no projeto que ele estiver. Se for necessário ser candidato, serei. E também se for necessário não ser, não serei.
Não tenho mais aquela obstinação “ah, não, eu quero, eu tenho que ser”, não tenho mais. Serei se for pra colaborar. Acho que a região sul e principalmente a nossa Amrec, carecem de ações efetivas de pessoas que possam realmente colaborar. Se for pra isso, eu estarei disponível, se não, ficarei na minha.
MS: é uma missão especial estar à frente de uma pasta tão importante quanto a da saúde?
AC: Eu acredito que sim, que isso é uma missão. Porque, veja bem, eu não estava mais na Saúde de Criciúma há tanto tempo e, de repete, venho para a secretaria num momento que a cidade realmente precisou da nossa experiência. Então é uma missão, difícil, mas que também nos dá muitas coisas boas. Você saber que fez uma ação e que deu resultados, como o nosso hospital de retaguarda, como a reabilitação. Ver as pessoas saírem contentes com aquilo que está sendo feito, com o atendimento rápido, testagem rápida nas unidades de saúde, quer dizer, melhorar a vida das pessoas, nós da muita satisfação. Isso é o que compensa seguir na vida pública. Se não fosse essa satisfação de ver as coisas acontecendo, com certeza não valeria a pena.
MS: A partir da sua experiência após um ano frente a secretaria da saúde, o que podemos esperar de 2021, com relação a pandemia?
AC: Eu ainda continuo dizendo o que já vinha falando mesmo antes desse crescimento no número de casos, que nós teríamos momentos de redução e momentos de aumento. Nós temos agora um pico, a maior dificuldade de toda pandemia é agora, mas eu acredito que em questão de 3 meses nós já vamos ter diminuindo bastante (o número de casos) e nós vamos chegar ao final desse ano com a maioria das pessoas imunizadas, a grande maioria, e respirando melhor.
Eu acredito que no final de 2021, nós vamos ter uma nova visualização pra 2022 sem ter essa situação, mas ainda vamos continuar tendo um caso aqui, outro ali, então dizer “vai acabar a pandemia”? Não. Nós vamos ter diminuições e vacinas acontecerão pra poder pelo menos diminuir a agressividade dessa doença.
MS: O senhor mantém contato direto com o Ministro da Saúde e outras lideranças de outras partes do Brasil, para buscar soluções para essa crise?
AC: Sim, eu convivi muito tempo dentro da Ministério da saúde, quando estava na Articulação Nacional, quando fui deputado federal, e isso me deixou muitos amigos lá. Eu tenho muitos conhecidos lá em Brasília, no ministério da saúde e tbm por onde eu passei como Secretário de Estado da Saúde. Toda equipe técnica me conhece, sabe a forma que a gente trabalha, deixamos um bom legado, uma boa amizade. Isso faz a diferença, eles nos escutam muito, com opiniões, com sugestões, então essa relação com o Brasil, nos dá resultados. Quando a gente faz uma ação aqui em Criciúma hoje, como quando criamos o centro de triagem, que o Brasil tomou como referência, porque eles também acreditam e sabem do trabalho que a gente desenvolve, a experiência que tem.
Quando criamos o Programa Saúde da Família no Brasil, em 93 ou 94, o Brasil todo também seguiu aquilo que criamos aqui. Quando criamos o Disque Ambulância, o 192, que depois se tornou o Samu, os 24h que criamos nãos bairros Boa Vista e Próspera, e depois virou as UPAs (Unidades de Pronto Antendimento), no Brasil. São experiências boas que Criciúma deu e continua dando como casos de sucesso para o Brasil.
MS: imaginava sair do setor contábil ou administrativa para a área da saúde?
AC: É, eu fui até gerente de loja, na loja Santo Antônio, (loja de móveis, no centro de Criciúma), trabalhei na iniciativa privada por 11 anos e sempre trabalhando muito. Isso faz a diferença. Do trabalho da iniciativa privada pra vida pública basta a gente ter determinação, coragem e paciência. Muita paciência. Isso faz com que a gente siga o caminho.
Biografia
Acélio Casagrande é natural de Criciúma. Nasceu em 1º de dezembro de 1961 e é administrador por formação. Já exerceu as seguintes funções na vida pública:
– Chefe de Gabinete, Prefeitura de Criciúma, SC, 1993-1994; Secretário de Saúde, 1994-1995 e 1997-2000; Secretário de Fazenda, 1995-1996; Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional em Santa Catarina, 2003-2004 e 2005-2006; Secretário de Desenvolvimento Regional de Criciúma, SP, 2007-2008.
Ocupou os cargos de Secretário Estadual de Articulação Nacional (2011-2012) e de Secretário Adjunto da Secretaria da Saúde (2012-2015). Em 2016, concorreu para vice-prefeito de Criciúma e não foi eleito. Novamente exerceu o cargo de Secretário Estadual de Articulação Nacional e, em 22 de janeiro de 2018, assumiu a pasta da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Foi Diretor Executivo da Associação dos Municípios da Região Carbonífera (AMREC). Assumiu o comando da Secretaria de Saúde de Criciúma, empossado em 3 de julho de 2019.
(Dados da Câmara dos Deputados e Memória Política da Alesc).
NÚMEROS DA COVID-19 EM CRICIÚMA
Em um ano, já morreram 273 pessoas na cidade.
O primeiro óbito foi o do empresário Evaldo Stopassoli, ocorrido no dia 1º de abril de 2020 aos 73 anos.
O sistema de saúde do estado está em colapso e conforme os boletins divulgados pelas prefeituras, mais de 200 pessoas aguardam leitos de UTI.