O ano de 2020 ficará marcado na história não só pela pandemia que assolou o mundo mas também por todas as mudanças que impôs à sociedade. Novos hábitos na forma de trabalhar e de se relacionar permanecem ditando o ritmo nesse planeta que ainda sofre com a Covid-19.
Nesse contexto, a política mostrou toda sua força e toda sua fragilidade. A ação ou a omissão de quem ocupa cargos políticos escancarou a importância de todos estarem, minimamente, a par do que acontece nos poderes constituídos. Dessa forma, a eleição municipal em todo país em 2020, trouxe seus ingredientes próprios. A votação foi realizada, excepcionalmente, em novembro e as urnas deram um recado importante à população, especialmente na região do extremo sul, onde foi eleito um número expressivo de mulheres para os cargos de vereadoras, prefeitas e vice-prefeitas. Em Criciúma, a vereadora que recebeu o maior número de votos entre todos os candidatos, foi Roseli de Lucca Pizzollo (PSDB), que contabilizou 2576 votos.
Na conversa com o site, Roseli falou sobre sua trajetória na política, sua opinião sobre a cota de 30% para candidatas mulheres, a polêmica da volta às aulas presenciais e deixou um recado às mulheres de Criciúma.
Maga Stopassoli: quem é Roseli de Lucca e quando começou sua trajetória na política?
Roseli Pizzollo: Bom, eu sempre trabalhei na área da educação. Meu início de carreira foi na iniciativa privada. Quando fui convidada para ir para cargo público, eu trouxe a mesma forma de trabalhar da iniciativa privada, na questão da gestão, do compromisso. Tem muita gente que diz que funcionário público não tem compromisso e eu não acho verdadeiro. Sempre tive muito compromisso e sempre trabalhei com pessoas responsáveis. Fui diretora de algumas escolas enquanto eu era efetiva no Estado. Fui diretora do Colegião e do Cedup (duas das maiores escolas estaduais de Criciúma) e foram anos marcantes na minha vida como gestora. Isso aconteceu ali no ano de 2007 – 2008.
Antes disso trabalhei dois anos na Secretaria de Educação, Florianópolis, a convite do Clésio Salvaro que era deputado estadual. Ele me convidou e eu fui. Eu queria saber como funcionava lá dentro da secretaria de educação estadual. Toda a estrutura, um prédio de 11 andares, tudo pra cuidar da educação do estado. Aprendi muito. Eu trabalhava num setor chamado apoio aos estudantes, que cuida da merenda, da uniforme, do transporte dos alunos do estado todo.
“inimigos do paço”
Maga: quando a senhora começou a pensar numa candidatura?
RP: em 2012, quando fui secretária de educação em Criciúma. Fui convidada e resisti de início mas acabei indo. Fiquei na 3ª suplência. Aí o prefeito eleito (Salvaro) foi afastado e o Márcio Búrigo assumiu. Naquele momento nós do PSDB – deu um problema entre eles – e nós viramos os inimigos do paço municipal. Aí eu saí e fiquei afastada durante quatro anos.
Eu nunca fui atrás de cargo de público, os convites é que sempre vieram.
Nesse meio tempo eu me aposentei e quando o Salvaro foi candidato em 2016, ele me convidou novamente pra ser candidata e eu não quis porque eu estava afastada de tudo. Mas ele insistiu eu acabei sendo candidata e fiz 1709 votos e fui primeira suplente. Aí ele me convidou pra ser secretaria de educação novamente. Minha família não queria porque é um cargo muito desgastante.
Acabei aceitando, fiquei 3 anos e pouco, e fizemos um diferencial na secretaria. Tinha muita coisa que era feita de uma forma muito “interiorana”, mudamos algumas práticas, e acredito que isso vai ficar como legado.
Maga: A senhora imaginava que faria essa votação, disputando com outros nomes já conhecidos e considerados candidatos fortes?
Roseli: Foi uma questão de organização. Trabalhamos e fizemos uma campanha limpa.
Nessa campanha teve dois aspectos que nós analisamos e trabalhamos em cima disso. Primeiro o número excessivo de candidatos porque não tem mais a coligação pra proporcional. Segundo a própria pandemia, então a gente não sabia quem iria sair de casa pra votar, tanto que teve muita abstenção. Eram dois pontos de interrogação pra gente. Nós nunca contamos com a vitória antes do tempo. Eu queria chegar com boa votação, tivemos um planejamento de um ano inteiro que nós seguimos com muito rigor, então acreditávamos que seríamos eleita mas não imaginava ser a mais votada.
Eu só tenho pena que não deu pra fazer uma festa pra comemorar! (por conta da proibição de aglomero em razão da pandemia).
Mas a organização fez a diferença.
“não sou muito a favor de cotas”
Maga: qual a sua opinião sobre a obrigatoriedade de 30% das vagas destinadas às mulheres numa campanha política?
Roseli: eu não sou muito a favor de cotas, mas eu estou vivenciando a política desde o primeiro ano que teve essa obrigatoriedade. Se nós olharmos de lá pra cá, a gente teve uma grande evolução da mulher na política e eu até acredito que foi por conta desses 30%. Talvez agora não precise mais, mas foi importante. Porque a mulher sempre teve muito receio de ir pra política, do que as pessoas ia dizer. A mulher na política era “mal falada”.
Antigamente a mulher que atuava na política era meio marginalizada sim. Mal vista. E aí com os 30% os homens começaram a ter a necessidade de ter a mulher na política porque se não tiver os 30% eles também não podem ser candidatos. Isso fez com que aflorasse o gosto pela política em muitas mulheres que no começo iam só pra cumprir a cota.
Mas essa questão da mulher na política vai depender muito da postura da mulher.
Maga: essa era uma das minhas perguntas, vereadora. A senhora já passou por algum constrangimento na política, por ser mulher?
Roseli: eu sempre tive uma postura muito técnica, sempre fui muito séria, e sempre fui respeitada. Acho que o respeito tem que vir de si mesma. Até na maneira de vestir a gente precisa ter uma postura e eu particularmente nunca tive problema. Sei que isso pode acontecer, mas eu nunca tive.
Maga: de que forma poderia se estimular que mais mulheres participem da política, não só como candidatas, mas desse ambiente mais fervilhante da política?
Roseli: eu acho que já está aumentando, a gente que está acompanhando, vê que está aumentando a representatividade das mulheres nas prefeituras, câmaras de vereadores, congresso nacional, então acho que isso já está acontecendo. E aí essas mulheres que já ocupam esses cargos passam a ser referência para outras mulheres e começam naturalmente se interessar. É um processo, um caminhar, não é do dia pra noite.
Maga: a senhora tem mulheres na sua equipe de trabalho hoje na câmara?
Roseli: Só mulheres. E o critério é técnico. Nós sabemos diferenciar trabalho e amizade. Na hora de sair com as amigas, é a Roseli amiga. Na hora do trabalho, é trabalho.
Maga: a senhora já colocou em prática alguma proposta de campanha?
Roseli: ainda não. A maioria das minhas pautas são da educação e a educação está passando por um momento muito difícil. Já estamos estudando e produzindo muita coisa, mas ainda não coloquei em votação.
Maga: a senhora é favorável à volta presencial das aulas?
Roseli: eu sou pois eu acho que a gente convive com as crianças e percebe, que o Brasil é o país que mais tempo ficou sem aula e nem por isso é o país que está melhor na questão da pandemia, isso mostra que não é na escola que tem essa grande transmissão. Agora, a defasagem que os alunos estão tendo e o tempo que vamos levar pra recuperar isso, e não só na parte educacional, mas na parte emocional e de convivência. As crianças então muito estressadas e a escola tem que ajudar. Eu não posso pensar no pai. Eu tenho que pensar no aluno. E o aluno precisa voltar a conviver. Nem que seja uma semana na escola e outra em casa.
Então eu sou a favor da volta as aulas, com muito cuidado. Aqui em Criciúma nós temos o comitê de volta às aulas.
Maga: Como que funciona?
Roseli: é um comitê que a secretaria de educação que coordena, tem as escolas do estado e as escolas particulares. Eles tem o PlanCon, o plano de contingência, e o comitê é que aprovou o plano de cada escola, – um plano das escolas onde elas detalham como vão agir no caso da volta às aulas e isso precisou ser aprovado ou readequado. Então foi algo bem estudado, não foi feito de qualquer maneira.
O aumento do número de casos não é culpa das crianças, é por conta das festas. Eu queria muito que os professores fossem vacinados. Acho até que deveriam ser antes das pessoas de 60 anos (os que podem ficar em casa). Mas também me sensibilizo com os outros profissionais, como caixas de supermercados. Então é um momento de muita interrogação e ninguém é dono da verdade. Está todo mundo aprendendo junto.
A escola tem que ser o segundo melhor lugar para a criança estar. O primeiro é em casa, mas o segundo, é na escola.
“já me questionaram se vou ser candidata à deputada”
Maga: ano que vem a senhora assume a presidência da câmara de vereadores. Depois disso, quais são os próximos passos?
Roseli: (rindo) continuar como vereadora! Já me questionaram se eu vou ser candidata à deputada estadual por ter sido a mais votada, mas não sei se eu gostaria, sabe? Não digo nem sim nem não. São dois meses só que nós estamos como vereadores e é muito cedo pra isso. Estamos vivendo um momento ímpar então dá pra pensar nisso agora. Passei o dia trabalhando num projeto que estamos planejando pra Criciúma então não é momento de falar de uma nova candidatura. Posso dizer que vou trabalhar muito como vereadora.
Maga: o que as mulheres criciumenses podem esperar do seu trabalho como vereadora?
Roseli: quero servir de exemplo pra elas e que elas vejam que elas podem também. Não acho que a gente tenha que ser nem mais nem menos que os homens. Temos que ser iguais. Espero que elas se inspirem e vejam a política como uma forma de mudar a vida das pessoas. A mulher tem essa característica de pensar mais no coletivo. Então as mulheres podem esperar isso de mim: muito trabalho.
Maga: quem são as mulheres que a senhora admira?
Roseli: eu admiro muito a Angela Merkel (Chanceler alemã), acho a postura dela fantástica. Gosto muito da Rainha Elizabeth, uma mulher com 94 anos que se mantem com aquela postura e sabedoria, acho que deve ser muito difícil ocupar a posição dela.
Maga: A senhora assistiu The Crown? (série da Netflix que aborda o universo da monarquia)
Roseli: Ainda não mas vou assistir! …Risos Também gosto muito da Geovania (de Sá), são poucas as pessoas que tem a energia que ela tem.
Aqui em Criciúma admiro a Luciane Ceretta, acho que ela está fazendo muito pela universidade, ela trabalha com muita determinação. E admiro também muitas amigas que são desconhecidas mas são muito trabalhadoras e determinadas.
“a primeira coisa que a mulher tem que ter: independência financeira”
Maga: que mensagem a senhora gostaria de deixar pra todas as mulheres no dia de hoje?
Roseli: o recado que eu quero deixar é que a primeira coisa que as mulheres tem que ter: independência financeira. Inclusive essa é uma das minhas metas enquanto vereadora, porque é muito fácil a gente falar (nós que somos independentes) mas e aquelas mulheres que sofrem violência doméstica? Então já conversei com a Adriana (Primeira-dama de Criciúma). Queremos oferecer cursos que possibilitem à essas mulheres que tenham uma profissão, ganhem seu dinheiro e comecem a ter a sua independência, para que possam quebrar esse ciclo da violência que vivem dentro de casa.
Meu recado então é esse: que elas busquem independência financeira, que elas se valorizem.
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Números das Mulheres políticas em Criciúma:
Dizelda Coral Benedet, primeira mulher a ser eleita vereadora em Criciúma, em 1982.
Conforme dados da Câmara de Vereadores, 18 mulheres foram eleitas vereadoras em toda história da cidade. São elas:
Dizelda Benedet
Solange Barp
Janete Trichês
Celoni Miranda Marcelo
Maria Edil
Ivone Faria
Maria dal Farra Naspolini
Romanna Remor
Tati Teixeira
Joselita dos Santos
Jocelita da Rosa
Nair Ronchi Nazario
Romanna Remor
Geovânia de Sá
Camila do Nascimento
Roseli de Lucca Pizzolo
Giovana Mondardo
Geovana Benedet
Lembrando que algumas exerceram dois mandatos por terem sido reeleitas.
- No Brasil, as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1932.
Somente na década de 80, a partir do crescimento industrial e com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é que notou-se o crescimento do interesse das mulheres também na política. Em 1995, a lei 9.100 chamada Lei das Cotas abordou pela primeira vez a destinação de 20%, no mínimo, das vagas para candidatas mulheres. Em 1997, observou-se que havia muita coisa a ser corrigida no texto original da Lei e, com isso, em 1997, a Lei 9.504, ou, a Lei das Eleições, que buscava unificar o diálogo sobre o assunto, passando de 20 para 30% a destinação de vagas para candidatas mulheres.
Em 2009, a Lei 12.304 tornou obrigatória a cota de 30% para mulheres em cada partido.
EM 2020, a deputada federal, Caroline de Toni (PSL- SC) apresentou o projeto de Lei 4213/20 que pretende acabar com a reserva mínima de 30% das vagas para mulheres nas candidaturas para mandatos eletivos preenchidos pelo sistema proporcional.
2 respostas
Belíssima entrevista. Parabéns a todas as mulheres que buscaram na política um meio de melhorar a nossa sociedade.
o posicionamento sobre volta às aulas não poderia ter sido melhor, foi direta e objetiva. gosto de mulheres assim, amei a entrevista!